A epidemia do fumo

Por: Dráuzio Varella

Cada vez menos gente fuma no Brasil. É o que comprova o resultado da pesquisa conduzida pelo Ministério da Saúde em sete capitais brasileiras, publicado na última semana de março de 2004: o número de dependentes de nicotina no país é de aproximadamente 20%.
Tendo em vista que, nos países industrializados, entre 22% e 25% da população fuma, e que alguns deles investem grandes somas na prevenção e no tratamento do tabagismo, nossos números se tornam especialmente expressivos.
Afinal, para um país que investe quase nada em prevenção e muito menos em tratamento para fumantes desejosos de se livrarem da dependência, e que até ontem era complacente com o cinismo da publicidade do cigarro em horário nobre na TV, o resultado é surpreendente.
Embora a falta de estudos semelhantes no passado não permita avaliar com precisão a velocidade com a qual a epidemia de tabagismo se dissemina, certamente está ocorrendo uma queda expressiva na prevalência de fumantes. Basta lembrarmos da porcentagem de adolescentes que fumava nos anos 1960 e a dos que fumam hoje.
Naquela época, o impacto da propaganda do cigarro era universal: no cinema, na TV, no rádio e na música, todos os astros e estrelas fumavam sem parar. Que adolescente conseguia resistir ao charme dos lábios de Rita Hayworth assoprando a fumaça para o céu?
É verdade que já nos anos 1950 numerosos estudos haviam demonstrado que fumar provoca câncer, enfisema, ataque cardíaco e muitas outras doenças, mas a estratégia de defesa adotada pela indústria do tabaco foi a do contra-ataque: de um lado contratava técnicos para criticar a metodologia empregada nessas pesquisas; de outro, pressionava os meios de comunicação para garantir que não fossem divulgadas. Qualquer jornal, emissora de rádio ou de televisão que ousasse levantar a menor suspeita de que o cigarro pudesse trazer algum malefício à saúde sofria retaliação financeira imediata.
A partir da Segunda Guerra Mundial, essa compra de espaço nos meios de comunicação, aliada a um tipo de publicidade dirigida sem nenhum pudor para aliciar as crianças, alastrou a epidemia da dependência de nicotina pelo mundo inteiro. Na história do capitalismo, raros crimes contra a humanidade foram executados com tal premeditação.
Mas os tempos mudaram. O poder dos fabricantes de cigarro nos dias de hoje é sombra anêmica do passado. Legalmente impossibilitados de inserir comerciais nos jornais, no rádio e na TV, como coagir a imprensa?
Como impedir campanhas para motivar fumantes a largar o hábito de fumar, como a apresentada em rede nacional pelo "Fantástico" no ano passado?
A perda de acesso aos meios de comunicação de massa, o peso das evidências médicas ao demonstrar que o fumo é a principal causa de morte evitável em nosso país e a ameaça de serem obrigados a pagar indenizações milionárias às famílias dos que morreram por causa do cigarro obrigaram os fabricantes a adotar nova estratégia: a do silêncio. Quietinhos, têm a esperança de continuar seus negócios sem chamarem a atenção. Enquanto existirem viciados que comprem um maço por dia do fornecedor, haverá faturamento, devem pensar.
Os números publicados pelo Ministério da Saúde deixam claro que estavam enganados os céticos: é possível refrear a disseminação da epidemia do fumo, basta haver disposição da sociedade e seriedade política. Para isso, algumas das medidas sugeridas pelos técnicos podem ser implantadas a curto prazo, sem ônus para o tesouro:
1)
Aumento de impostos. Em nenhum país civilizado é possível comprar um maço de cigarros por meio dólar. Está exaustivamente provado que, quanto mais caro o maço, menor o número de cigarros fumados;
2)
Proibir todos os tipos de publicidade. Toda e qualquer propaganda de uma droga que provoca um tipo de dependência tão difícil de vencer, tanto sofrimento físico e tantos óbitos, para viciar meninas e meninos em nome do lucro, deve ser punida como crime inafiançável;
3)
Incluir no currículo obrigatório das escolas aulas sobre os problemas causados pelo cigarro;
4)
Proibir o fumo em lugares públicos. Não está certo obrigar quem não fuma a inalar fumaça alheia. Embora não seja obrigação do Estado proteger o cidadão contra o mal que ele pode fazer a si mesmo, é seu dever protegê-lo do mal que os outros podem fazer contra ele. Além disso, não há dúvida de que a proibição ajuda o fumante a adquirir mais controle sobre a dependência;
5)
Oferecer tratamento gratuito para os que quiserem largar o hábito de fumar. Hoje existem grupos de apoio, adesivos e chicletes de nicotina, além de medicamentos que ajudam a vencer as crises de abstinência. É ignorância deixar de oferecê-los gratuitamente aos fumantes, ainda que não seja por razões humanitárias: sai muito mais em conta do que esperá-los ter câncer, infarto, derrame cerebral.

Astros de Hollywood recebiam fortunas para promover fumo


Clark Gable, Cary Grant, Spencer Tracy, Joan Crawford, John Wayne, Bette Davis e Betty Grable receberam dinheiro para promover o tabagismo, de acordo com pesquisadores da Universidade de Nova York.
As fabricantes de cigarro pagavam altas somas para que astros e estrelas dos "Anos de Ouro" de Hollywood promovessem seus produtos.
Documentos liberados pela indústria depois de processos judiciais de grupos de combate ao tabagismo revelam a extensão da relação entre estas empresas e os estúdios de produção cinematográfica.
Uma empresa pagou mais de US$ 3 milhões (em valores de hoje) em um ano para as estrelas.
Em artigo na revista Tobacco Control, pesquisadores disseram que filmes "clássicos" das décadas de 30, 40 e 50 ainda ajudam a promover o fumo hoje.
Praticamente todos os grandes nomes da época estavam envolvidos no merchandising de cigarros, de acordo com os pesquisadores da Universidade de Nova York. Eles tiveram acesso a contratos de merchandising assinados na época para ajudá-los no cálculo do montante de dinheiro envolvido.

'O cigarro dos atores'
Há acordos que datam do começo da era do cinema falado. O astro de O Cantor de Jazz (Jazz Singer), Al Jolson, assinou testemunhos dizendo que Lucky Strike era "o cigarro dos atores".
Um dos documentos-chave descobertos pelos pesquisadores foi uma lista de pagamentos por um único ano no final da década de 30, detalhando o quanto as estrelas eram pagas pela American Tobacco, fabricante da marca Lucky Strike.
Carole Lombard, Barbara Stanwyck e Myrna Loy receberam US$ 10 mil (equivalente a quase US$ 150 mil hoje), para promover a marca. O mesmo ocorreu com Clark Gable, Gary Cooper e Robert Taylor.
No total, foram pagos aos atores o equivalente, hoje, a US$ 3,2 milhões.
Em alguns casos, os fabricantes de cigarro pagaram os estúdios para criar programas de rádio que incluíam a promoção feita por suas estrelas.
A American Tobacco pagou à Warner Brothers o equivalente a US$ 13,7 milhões por Your Hollywood Parade, em 1937, e patrocinou The Jack Benny Show de meados da década de 40 a meados da década de 50.
Entre os depoimentos cuidadosamente preparados incluídos em The Jack Benny Show está o de Lauren Bacall.

Efeitos duradouros
Os pesquisadores, liderados por Stanton Glantz, disseram que os efeitos dos milhões investidos pela indústria do tabaco em Hollywood ainda podem ser sentidos hoje, apesar de uma recente proibição imposta pela própria indústria do cinema à promoção do tabagismo em filmes.
Eles disseram que as imagens ligadas ao ato de fumar incluídas nos filmes podem influenciar os jovens fazendo-os adotar o hábito. "Como na década de 30, nada impede hoje que a indústria global do tabaco influencie a indústria do cinema de várias formas."
Filmes "clássicos" com cenas de fumo, tais como Casablanca e Estranha Passageira (Now, Voyager), e imagens glamurosas de publicidade ajudaram a "perpetuar a tolerância pública" do tabagismo na tela, disseram os pesquisadores.
A ONG britânica contra o tabagismo, ASH, disse que imagens ligadas ao hábito de fumar não podem ser excluídas totalmente, mas podem haver alertas mais claros antes da exibição dos filmes.

Cigarro eletrônico é desaconselhado para deixar vício, diz OMS


Parar de fumar fumando é o sonho de consumo dos fumantes. E há sites que prometem exatamente isso: vendem o cigarro eletrônico como uma forma de fumar sem prejudicar a saúde e sem importunar as pessoas.

O produto é anunciado como um tratamento antitabagismo altamente eficaz. Mas há uma semana a OMS (Organização Mundial da Saúde) lançou um alerta, desaconselhando o método.

"Da forma como [o produto] está sendo comercializado, é um engodo", afirma Paula Johns, diretora da ACT (Aliança de Controle do Tabagismo). Não há nenhuma evidência científica sobre sua segurança e ele não pode ser apresentado como tratamento. "Há um consenso brasileiro sobre os tratamentos aprovados, e esse cigarro não está incluído", diz Johns.

Há pelo menos um site brasileiro vendendo a engenhoca como tratamento. Por R$ 380, entrega-se o produto em qualquer lugar do país. Basicamente, é um tubinho de aço com um cartucho de nicotina, que é aspirada com vapor d"água em quantidades determinadas.

Sergio Ricardo Santos, coordenador do PrevFumo, núcleo de prevenção ao tabagismo da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), diz que o grande problema é que o método mimetiza o ritual do ato de fumar.

"Outras formas de reposição de nicotina, como adesivos ou goma de mascar, não são prazerosas. O cigarro eletrônico é e, portanto, não atua nos gatilhos comportamentais que estimulam a vontade de fumar. E dificilmente alguém abandona o cigarro sem mudar o seu comportamento em relação a ele."

Fumo e direção não combinam!

Fumar ao volante

Um alerta aos motoristas mais desavisados: fumar dirigindo, além de ser prejudicial à saúde será também prejudicial ao bolso. E não importa se as duas mãos estão no volante, fumar durante o ato de dirigir será motivo de infração, pelo menos é o que prevê uma nova lei que está para ser aprovada pela Câmara Federal.A proposta já foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado e prevê multa de R$ 85,13, além de perda de quatro pontos na carteira do motorista fumante.Atualmente, a legislação não faz menção ao ato de dirigir fumando. O artigo 252 estabelece que não se pode dirigir apenas com uma das mãos no volante ou com o braço para fora da janela sem, contudo, fazer qualquer menção ao cigarro.O código considera infração jogar bitucas ou outros objetos nas vias públicas. Agora, com a nova lei em curso, fumar será perigoso para quem fuma, mesmo que o cigarro esteja na boca e as duas mãos no volante. Não importa: fumar dirigindo dará multa e perda de pontos na CNH.Especialistas afirmam que um em cada quatro acidentes poderia ser evitado se o motorista estivesse atento. A afirmação é da agência responsável pela segurança nas estradas americanas. "Nos Estados Unidos, por exemplo, uma das maiores causas de acidentes de trânsito por distração é a pessoa dirigir enquanto está se barbeando", aponta o professor da Universidade Católica de Brasília, Adolfo Sachsida. Sem contar que nos EUA os carros trazem o câmbio automático, sem a necessidade de usar as mãos para trocar de marchas.A Prefeitura de Dourados vem fazendo a lição de casa. Em parceiras com SEST, SENAC, a prefeitura realiza curso "Por que Ensinar Trânsito nas Escolas", com o Comitê Temático Trânsito, que faz parte do Programa Educacional de Humanização do Trânsito. O curso, a cada semestre, é voltado para professores da Rede Pública e Privada. O que se pretende é levar informação didática e precisa às crianças em relação ao trânsito. Além do mais o fumante passivo, aquele que inala a fumaça de terceiros, comprovadamente faz parte das estatísticas de morte.Pesquisa realizada por cientistas do Instituto Nacional do Câncer (INCA) e do Instituto de Estudos de Saúde Coletiva da UFRJ, "que teve como alvo a população urbana, revelou pela primeira vez números impressionantes: pelo menos 2.655 indivíduos não-fumantes expostos involuntariamente à fumaça do tabaco morrem a cada ano no Brasil; ou seja, sete pessoas por dia. A maioria das mortes ocorre entre mulheres (60,3%), já que há mais fumantes do sexo masculino." O trabalho está no site do INCA. Portanto, não só ao volante, mas em qualquer lugar o cigarro é letal para quem fuma e para quem não fuma. Basta estar próximo.
*Superintendente de Transporte e Trânsito - Prefeitura de Dourados-MSConselheiro do CETRAN

Fumar é genético, dizem pesquisas

O gosto pelo cigarro, afirmam pesquisadores da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, é ligado à genética. Um gene variante, detectado normalmente em fumantes, seria o responsável por tal dado. Aqueles que experimentam o primeiro cigarro e sentem prazer de cara têm mais chances de possuir o gene e se tornar viciado na droga.

O estudo espera desvendar o código genético dos dependentes de nicotina, o que pode tornar mais fácil o desenvolvimento de drogas anti-fumo e a conscientizaçã o de que certas pessoas têm maior tendência ao vício.

O gene em questão, o CHRNA5, já havia sido mencionado em outros estudos sobre a nicotina. É sugerido que ele aumenta as chances, inclusive, do desenvolvimento do câncer de pulmão.

Cerca de 435 voluntários foram submetidos a testes, alguns eram fumantes regulares, enquanto outros já haviam provado a droga, mas não eram viciados.

O líder da pesquisa, Prof Ovide Pomerleau, afirmou que "aparentemente, algumas pessoas têm um código genético que faz com que a primeira exposição à nicotina determine o vício posterior".

Porém, para o Dr Marcus Munafo, da Universidade de Bristol, na Irlanda, o estudo é interessante, mas não muda a prática dos tratamentos de imediato. "A pesquisa nos faz entender o mecanismo do vício na nicotina, mas em termos práticos temos que continuar a fazer o que já fazíamos em relação ao cuidado com fumantes", defende Munafo.


ANNA MONTEIRO
Diretora de comunicação

Advertências Sanitárias

Brasil - Advertências Sanitárias nos Produtos de Tabaco - 2009Para conhecer o histórico das advertências sanitárias brasileiras e os estudos que subsidiaram a criação das novas frases e imagens, acesse a publicação Brasil - Advertências Sanitárias nos Produtos de Tabaco - 2009.

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